Orixás - A história
Orixás - A história

 

Orixás

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O baba Kambami sentou-se perto da fogueira, onde a força e o calor de inã, o fogo, preparava o ipeté, o inhame temperado que recendia aos poucos seu cheiro doce e forte no centro da aldeia. O céu, ayê, estava claro, com a luz da lua brilhando, deixando entrever o contorno do ibô, a floresta onde Oxossi fazia suas caçadas, todos os dias, para agradar Olorum, o deus maior, com suas oferendas.

Kambami já estava velho, velho demais para se dedicar à caça, como fazia antes. Agora era seu filho, Nassor, o vitorioso, adulto e forte, quem buscava a comida na floresta, pedindo sempre a Oxossi que lhe concedesse a melhor carne, oferecendo ao orisá o melhor pedaço antes de comer. Oxossi sempre foi homenageado por Kambami, durante toda sua vida, e Nassor seguia seus rituais. Assim fazia também com seu neto, Ekow, que fora dedicado a Oxossi desde seu nascimento e  que agora estava em idade para se tornar homem.

Mais nova que Nassor era sua filha Njeri, chamada assim porque era a filha do guerreiro e porque tinha nascido para completar a felicidade de Kambami e sua amada Sekai, o sorriso que sempre o deixara feliz na vida. Sua amada Sekai já tinha partido havia muitas luas para os campos de Olorum e lá estava esperando Kambami, ele sabia disso.

Se Olorum ainda não permitira que a acompanhasse, deveria ficar cuidando dos que ainda precisavam dele na aldeia.

O trabalho de Kambami, agora, era vigiar a aldeia e cuidar dos menores, já tinha se tornado um abá, isto é, um velho, por isso todos o chamam de babá Kambami, “pai Kambami”, título que o torna honorável, por ser o mais velho da tribo. Todos a ele agora vêm recorrer quando precisam de conselhos, quando ocorrem as discussões e quando há disputas. E baba Kambami, do alto de seus inumeráveis anos, sempre dá o melhor conselho.

E assim fazia. Seus dias começavam logo quando o sol brilhante aparecia sobre as copas das árvores, onde todos os pássaros e seus irmãos, os edun oròòkun, do alto dos galhos, prestam sua homenagem aos orisás, num momento de contemplação que só eles mesmos, como macacos, conseguem ter com os deuses.

Também os edun oròòkun mereciam os agrados da aldeia, para que trouxessem sempre as mensagens dos deuses. Eles representavam na terra os ibejis, os deuses gêmeos meninos, Taiwo e Kehinde, que reportavam aos orisás os feitos dos homens. E os orisás não podiam ser contrariados em suas vontades, deles o povo de sua aldeia dependia para a própria sobrevivência.

Além de todo o unjé, a alimentação que a aldeia precisava para se manter, também era necessário separar o ianlé, a parte devida aos orisás, isso não podia faltar para manter a abundância da tribo e mostrar que a aldeia os venerava. Kambami, mais que ninguém, sabia o quanto podia ser terrível a ira de um deus.

Isso era uma das atribuições de Kambami, separar o ianlé, por ser o mais velho, o baba. Tão velho se tornara que mostrava em si o favorecimento dos orisás. Naquelas terras, muitos morriam cedo, ainda quando omo, crianças, atacados por animais ou por doenças, ou então nas lutas enfrentadas com outras tribos para preservar o território de caça e salvaguardar suas mulheres.

Quando alguém chegava à idade de Kambami, toda a aldeia tinha por obrigação venerá-lo. Ele era, ali, o representante direto dos orisás, e por suas mãos os deuses se tornavam complacentes.

Sentado à beira do fogo, Kambami se lembrava, saudoso de sua infância, quando também ali se sentava para ouvir as histórias de baba Ghedi, o viajante, nome que recebera depois de ancião, por ter tirado a tribo do antigo local e a levado para um novo, onde pudessem caçar melhor e também trabalhar com plantações.

Baba Ghedi sempre contava as velhas histórias de seu povo, desde os primeiros tempos, quando os deuses os colocaram na terra, em meio à floresta, e essas histórias tinham que ser passadas à beira da fogueira, esse era o costume.

Nas noites de osúpánlá, a lua cheia, em volta do fogo, o baba é quem devia ensinar os mais novos, e estes precisavam reter na memória a história de seu povo, para que não se perdesse o culto dos orisás e continuar com todos os ritos e preces para que eles cuidassem da tribo.

Em sua memória estavam depositadas todas as lembranças dos mais velhos e todas as experiências que tinha vivido em sua longa vida. Suas histórias, os omodé, as crianças, e os agbá, adultos, sabiam que também tinham a sabedoria de sua vivência.

Baba Kambami sempre aguardava com ansiedade a primeira noite de osúpánlá, quando podia reunir toda a aldeia e viajar pelas longas estradas das histórias tribais. Era esse seu maior encantamento.

Os deuses, os orisás, sempre estavam presentes. Porque, afinal, eles é que haviam fortalecido a tribo, eram eles que mereciam todas as honrarias, eram eles que defendiam e sempre estavam prontos a ajudar os membros da tribo a manter a vida, a saúde e a fertilidade.